sexta-feira, 28 de setembro de 2012

AURORA DE MALDOROR




Nunca encontrei uma alma que não quisesse resistir ao centauro rubro-alado
          & ao seu arco da Verdade.

Quantas vezes não o cruzei na Amaral com a Major, retesando uma língua farpada:

“Ao inferno com vosso ouro & vosso afeto...
Que as rosas beijem meus lábios vivos & não as serpentes mortas.
As violetas que toquem meu músculo na ferocidade do trovão.
Amo a vida, seus calores me engrandecem, combato o maligno & as virgens
                                                                                                              que se entreguem!
Eu vomito flechas chamejantes & trago um machado à cintura...& vós, só enfeites.
Não sois o raio lucino, & não venerais as brumas com sangue e coração!
Quem sois, nádegas quadrúpedes sobre colunas sedentas sem piedade?
Sois os instintos malevos que fenecem nas chamas dos devassos lanhados pela navalha?”

Perturbado pela brisa da tormenta, ouvi um deus em pústulas & sedas purpúreas
      brandindo ferros e roubando o arco do sagitário
                                            (ele urinava nas brumas centáureas com arrogância de velho).

O cavaleiro nitriu pela mandíbula atroz e denunciou sua farsa:
“Meu nome é Déspota, protejo minhas verdades com o vermelho
& decepo meus ofensores com a mesma gula que estupro minhas concubinas.
Dá-me o arco e toda voracidade retornará para esta Avenida, que é seu próprio carrasco!”

Os mendigos & suas flautas amolecidas pela cachaça sobre um banco sem trégua
            contaram as récuas de escravos que outrora pertenceram a este senhor de armas.

Minha mente sacudiu que um império
        decaíra como os grãos pútridos no insosso do Tempo.

O deus leproso sussurrou as razões da correnteza que precipitara a decadência
                                                               para a luminária abraçada por ninfas magérrimas.

Todos os males vulneram os faunos que exalam bílis
        pelas orelhas, sempre ajoelhados sobre uma braguilha imunda.

Eu imaginei as ninfas correndo pela boscagem & meninos atacando-as na volúpia matinal,
   apoderando-se de suas espáduas e cinturas
    oprimindo com fortes estocadas a saúde dos momentos labiais mais profundos,
& sei que o desprezo compõe a paisagem do Elevado
    com o vigor dos vermes & suas perversões,
      mas eu não me preocupo.

            Eu matei o eunuco enquanto ele massageava um fauno no banquete glorioso!
            Eu o enterrei sob uma cama de esterco e urinei sobre seu mausoléu dourado
            & o deus limpava seu nariz na seda & cuspia nas nuvens que o ocultavam dos loucos.

Quem não viu os dedos carcomidos acariciando uma noiva em trajes angelicais?
Quem não a viu ajoelhar-se nas areias voraginosas e deglutir a glande do leproso?

As mais melindrosas jamais deixariam um senhor distinto sucumbir
  sem fruir do sangue rasgado.
Aprendei a não a enjoar dessas hecatombes & estupros
                  pois o medonho assusta até os mais impunes assassinos
& neste tempo em que as flores sucumbem
uma monarquia ascende como um eclipse perpétuo
todas as ninfas & faunos sob a plenipotência de Maldoror, cravo da Vida.


Auslegung: tudo é interpretação, como já dizia Nietzsche. é triste ver nossos poetas interessados mais em política do que em poesia. muitos deles estão mais preocupados com as políticas públicas do tal multiculturalismo do que realmente com o conhecimento da cultura produzida pelos homens. odeiam Harold Bloom, mas não leram 10% do que ele leu. nesse poema eu interpretei Lautrèamont, como é evidente. eu o digeri enquanto caminhava pelo centro podre de São Paulo. os defensores públicos protegem a podridão do centro, porque não são eles que vivem essa putrefação da condição humana. mas isso é conversa de militante. & eu odeio militância.

viva a violência do centauro!


Um comentário:

  1. Ola Ezequiel viemos aqui parabenizar pelo site e textos, diferente do seu posicionamento queremos desejar vida longa a tua obra artista e composição, não falo por todo o movimento de literatura Periférica, mas tenho certeza que esse sentimento é unanime, que é realmente difundir a arte, do modo que cada um entende, valorizar as produções das comunidades e o ser humano, sem intriga ou rincha de melhor ou pior...

    Sucesso!

    Coletivo Literatura Suburbana

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